Brincando com a liberdade através da criação
Yasmin Nigri e participantes da oficina Da ideia à criação
Da ideia à criação foi uma oficina de poesia que ocorreu entre os meses de novembro e dezembro de 2020. A intenção era integrar quaisquer pessoas interessadas em se expressar poeticamente, sem pré-requisitos.
A turma foi composta quase que integralmente por alunas e alunos sem nenhum contato prévio com a escrita poética, sendo introduzidos às características e especificidades de uma visão poética de mundo e escrevendo seus primeiros poemas em sala. Aqui estão reunidos alguns poemas que foram criados, lidos em sala, comentados e posteriormente reescritos a partir das sugestões dadas na oficina.
O resultado final, após seis aulas e muitas leituras de poemas escritos em língua portuguesa e também textos teóricos abordando conceitos pertinentes à comunicação poética, encontra-se abaixo. Os poemas falam por si e nada que eu diga pode iluminar de tal maneira a potência explosiva destes poemas, os primeiros escritos pela grande maioria da turma. Ao fim, três alunas dão o seu testemunho sobre a experiência ensejada pelo curso e suas ressonâncias.
Cor de pele preta
Mesmo que não haja,
Reflexos pela casa
Minhas quinas ensinam
aos dedos mindinhos,
que nos ângulos da vida,
existe um retorcer de dor e de cor.
Na memória da dança
que meu corpo ancestral,
Se curva e balança,
empurra pra frente
a criança do ventre
ocupa as esquinas
de gente que não sente
Verdadeiro arsenal de amor.
Lorena Sodré
Nunca brinquei
pra ser bom
Fiz porque quis.
Hoje faço por sê-lo
E tiro fotos
Explico com destreza, sinto com gagueira, minto com verdades
É preciso certa idade pra achar bonito
o calção de quem não joga bola
Lucas Cabral Maciel
s/ título
Quem surge
Traz a vibração do gozo
O brilho da fecundação
Traz muitos segredos
Opacidade
Dissonâncias
Não doeu quando surgi
Lá também não era bom
O leite e mel que tanto falam nunca tive
Os que me precederam também não
Erika Lopes
sobre corvos e gentes
corvos
labutam gravetos
criam ninho
gentes
juntam zinco e papelão
pra casa-salvação
corvos e gentes
entoam ponto
oyá amanse xangô
aquele pato no caminho
fóssil urbano
ousou sonhos
voar estrada
nadar nuvens
ora
amassado pelo diabo
engole esse pão nosso de cada dia
Luciana Sabino
Palavras
Como estrondo tenebroso de agua escura, terra e pó
Que desabam inteiramente
como velhos e empoeirados edifícios
Meu peito
Esse abrigo antiatômico
Que montado
em cavalos ariscos
Devora
o espanto do escuro
E sussurra
meus segredos
Vadios .
Liliane Ramalho
Metapoesia
A tarde desliza entre ondas e nuvens
Sentada à beira-mar a palavra,
Num mergulho de isca,
Rápida faísca,
No bico da gaivota!
Mércia
O cheiro
Acordei com cheiro indecifrável,
Que me lembrou das férias na infância,
Da casa que alugávamos na praia,
Do pão com café,
Das trilhas feitas por mim e pelas minhas irmãs,
Das brincadeiras na areia,
De um quase afogamento
A sensação da água pesada que leva pra longe,
para baixo como
âncora.
A luta de forças contrárias e o corpo que esgota,
Com o medo de afundar e
Perder-se.
Talvez seja esse o cheiro que sinto…
Mayra Crislie
Sobrevoe teus caminhos
Nesse mundo caduco
Acolha tuas sombras
Escolha teu destino
E desatinos
Mauricio Ranhada
Eu grito
Porque esse grito sou eu
Minhas palavras são como foice
Não desejam uma moral
São facas que cortam ao avesso
E transpassam alma, pele e sentir
Minha pequena
Esse grito
Sou eu
Liliane Ramalho
-X-
Por fim, algumas alunas quiseram dizer com suas próprias palavras como foi viver e conviver com a escrita e uma visão poética de mundo no contexto da oficina Da ideia à criação:
Mayra Crislie
“Para mim a oficina de poesia foi maravilhosa, aprendi a ter uma leitura mais crítica, além do mais compreendi como a poesia brinca com as palavras, a liberdade da criação, o cuidado com as explicações, e também a ter cuidado com as palavras de ordem.”
Lorena Sodré
“Sobre o curso de poesia com a Yasmin posso comentar sobre a leveza, liberdade, vulnerabilidade, troca e disposição para uma expansão de consciência que permita ampliar os sabores do mundo, e, assim, escrever de forma mais visceral. Para mim, abriu-se mais uma janela. Obrigada!”
Luciana Mendes Sabino
“... gostei muito e adoraria fazer outras. Vi a divulgação da Oficina Manhas e Manias mas, infelizmente, aqui os encontros acontecerão no meio da madrugada. Uma pena 😥.
Pensei também em sugerir um tipo de oficina com um formato diferente, onde fosse possível mantermos contato por meio de encontros curtos, trocas no Classroom, criando um diálogo colaborativo. Eu, particularmente, gostaria muito de receber críticas aos meus textos e penso que formalizar um processo para isso seria bem bacana.”
Yasmin Nigri é poeta, artista visual e crítica literária. Seu livro de estreia, Bigornas (Ed. 34, 2018), foi finalista do prêmio Rio de Literatura 2019 na categoria poesia. Atualmente é pesquisadora do CNPQ e cursa o Doutorado em Filosofia na área de Estética e Filosofia da Arte na PUC-Rio. Mestra em Filosofia pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
VEJA TAMBÉM: Oficina de poesia: manhas e manias